domingo, 30 de outubro de 2011

Dançar no Arame

Já tinha lido no Verão passado um livro de Tiago Rebelo - O tempo dos amores perfeitos. Tinha gostado muito e por isso para leitura de verão deste ano comprei "Uma promessa de amor".... tal como o anterior a leitura deste livro foi muito rápida e ainda durante as férias mais dois do mesmo autor: Uma noite em Nova Iorque e o Ultimo ano em Luanda.. que ainda não terminei...

Descobri há pouco tempo que este fantástico autor escreve umas crónicas no Correio da Manha... e hoje ao fim de vários meses sem publicar neste blog decidi partilhar convosco esta crónica:

"Dançar no Arame

Ela entra em casa à frente dele. A porta dá directamente para a sala, um open space largo, pé-direito muito alto. Ela atira-se para o sofá, furiosa. Veio sempre a refilar no táxi, ele calado, deixaste-me pendurada a noite toda, a falares com aquela... aquela... quem era ela afinal?! Ele abre a boca para responder mas ela não deixa, continua a descompô-lo. Ele mantém-se em silêncio, a reparar nos olhos do taxista no retrovisor, no sorriso divertido do homem, a responder-lhe com um sorriso dissimulado, um encolher de ombros, quando ela volta a cabeça para a janela.


Ela tira os sapatos, recolhe as pernas em cima do sofá. Continua a protestar. Ele fica para trás, sem retorquir, fecha a porta da rua, passa pelo sofá, pára a meio da sala, tira também os sapatos sem se abaixar, um pé ajuda o outro. Dirige-se ao leitor de CD, põe a tocar a música preferida dela, tão alto que se sobrepõe à sua voz. Aproxima-se do sofá, estende-lhe a mão direita. O que é que tu queres?, pergunta, desconcertada. Ele leva o indicador esquerdo aos lábios, pedindo-lhe que se cale. Ela, desarmada, estica o braço, ele toma a sua mão, puxa-a para si, ajudando-a a levantar-se, envolve-a nos braços, começam a dançar, lentamente, aplacando a sua fúria. Ouve-a dizer és um sacana, antes de estreitar o seu corpo contra o dele.
Solta-lhe o cabelo apanhado no alto da cabeça, deixando-o cair pelos ombros, prende-lho atrás da orelha com os dedos, beija-a no pescoço, afaga-lhe as costas, encontra o fecho do vestido, corre-o até baixo, beija-a no ombro, faz deslizar a alça de um lado, depois do outro. Ela deixa cair os braços com um sorriso resignado, o vestido escorrega pelo seu corpo, flutuando a seus pés. Dão um passo ao lado, abraçam-se, dançam, beijam-se. A mão dela procura o peito dele, os dedos soltam, um a um, os botões da camisa, desaperta-lhe o cinto das calças, o botão, o fecho.

A música termina, a roupa fica pelo chão, dirigem-se para o quarto de mãos dadas, para a cama. Mais tarde ela adormece agarrada a ele. Um feixe de luz da sala passa pela porta entreaberta. Ele contempla-a, tranquila, de olhos fechados, e espanta-se com a sua beleza, como sempre.

De manhã, tomam o pequeno-almoço juntos, ainda estremunhados. Ele quebra o silêncio, dormiste bem? Hum-hum, faz ela, sem levantar os olhos da faca a barrar manteiga na torrada. E gostaste da noite passada? Ela suspende o gesto, ergue a cabeça, estreita os olhos a ameaçar uma tempestade, mas depois suaviza a expressão. Adorei, resmunga, pousa a faca, dá uma dentada na torrada e põe-se a comer com um sorriso, uma cara cómica, a olhar para ele. "